terça-feira, 19 de março de 2013

Incêndio (ou “O fogo da coragem”)

(Dudu Costa)

Hoje eu incito a coragem naquela
retina que molda a fotografia,
o fato imortal postado na tela.
Subverte o meu tempo a iconografia.

Retinta teu couro a fogo e ferrugem.
Vagueia no breu me envolvendo no espaço
central do teu corpo ornado em felugem.
Sou eu feito incêndio no teu regaço.

Carrego no dorso toda bagagem
Revolvo o remorso em meio às flores
crescidas no topo da tua cabeça

Perpetuemos o instante selvagem
Morramo-nos nus cobertos de amores
Antes que a viva utopia anoiteça

sábado, 1 de dezembro de 2012

Réptil

(Dudu Costa)

Hoje dei pra arrancar você do meu coração
tipo: - Pá-pum!
Bicuda certeiramente endereçada.
Eu, tipo, te mandei pro caralho, sabe?
E foi bom...
Foi muito bom ver você
(mera imagem mental)
ali no meio fio do meu desejo incontido
agonizando
suplicando como num samba
apaixonado de Cartola.

Naquele meio fio
desfiei versos odiosos,
cheios de dor,
que escorreram como juras liquefeitas
na tua página do facebook.
Sim, eu postei toda a minha raiva
no teu perfil transfigurado
por minha memória atormentada
e uivei triunfante à primeira lua
que vi na tela do espaço noturno.

Na calçada suja
na escuridão do asfalto
eu te amei...
Pela última vez
naquele eterno segundo
eu te amei.
De repente
raptando-te, serpentemente!

Naquele meio fio.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Crisântemo

(Dudu Costa)

O Rio era chuva morena
o morro molhado, nem se sabia a maré

Água saída, água chegada
Repetia-se o céu da tarde aguaceira

Era chuva, salgada, de corte afiado
Que nem ferradura espantava

O céu havia criado gotas eternas:
- devoravam corações incautos

Seu nome ecoava na cabeceira das minhas montanhas
Paroxítona palavra, flor pequenina

Do interior soava a voz que eu ouvia:
cordas banhadas de ouro branco e neblina

Naquela noite alva, sua pálpebra se cercava de lembranças
e os desejos voavam aonde só pode o espírito das aves

O Rio era chuva passante,
o sol que explode quando 
um crisântemo 
destrona 
o anoitecer.




segunda-feira, 14 de maio de 2012

Arquitetura

(Dudu Costa)

Quando sonho os edifícios
A concreta criatura
Cria em mim seus precipícios
A mais funda formosura

Canto um verso de coluna
Feita a sílaba e fissura
Brotam casas sobre a duna
No deserto a agricultura

O meu corpo é sua planta
Onde a pena faz pintura
Sobre os altiplanos canta
Curvilínea arquitetura

A morada da loucura
Faz projeto nos meus planos
Esquadrinha a estrutura
Alvorece o novo engano

Pode a onda que ressoa
Libertar da escravatura?
Pois o chão que habito voa
Nasce assim uma outra jura

terça-feira, 17 de abril de 2012

Alquimia

(Dudu Costa)

A química que come e rói a sílaba
Moléculas da subjetividade
Contém em si o próton da vaidade
Espaço onde este humano amor desaba

Transmutação - essência da alquimia
Degenerescência surda do olfato
Injeta-me a fragrância que de fato
Omite o codinome: - Covardia!

Tento matar o ouro decassílabo
Com minha rima e vil vocabulário
Vou sabotando os versos que carrego

Pudera eu, este ego monossílabo,
Feito um poeta otário. Involuntário!
Ser e não ser na tempestade um cego

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Baquiana

(Dudu Costa)

Nas horas derramadas sobre nós
Viagem de nós dois sobre os instantes
Instala-se uma luta assaz feroz
Perdemo-nos: arroubos e rompantes.

Não sei se és inimiga ou doce amante
Que faz falar meu corpo com candura
E a disparar o fogo calcinante
Põe-se a lavrar meu sonho com loucura

Sou eu quem cura a sede do teu ventre
E vago entre as verdades do teu eixo
Se me abres tantas sendas pra que eu entre

Calamos nós segredos viajantes
Gravito em tua órbita e me deixo
Perder e achar em ti o amor bacante

sábado, 24 de março de 2012

O que éramos

(Dudu Costa)

O que éramos jaz num caderno branco
Momentos de um prazer desencarnado
E se a entrega faz-se à sombra de um fado
Devolvo o dharma ao drama - este amor franco

O que éramos jaz numa terna cama
Por entre cobertores e gemidos
E as juras feitas bem ao pé do ouvido
São fogo transmutado em branda chama

O que éramos jaz num fraterno abraço
No balançar de um tempo descontínuo
Não sei se me perduro em teu espaço

Ou faço ardor das dores que imagino
Já que o bater do peito é descompasso
É pássaro que canta um suave trino.